A mitologia brasileira como você (quase) nunca viu. Provavelmente.

E finalmente, trazemos hoje a última parte deste conto que – confesso – é um dos meus favoritos. E eu gostaria de aproveitar para agradecer aqui àqueles que primeiramente tornaram possível a mim escrevê-lo: meus pais.

Eu nunca vivi na roça, nem tenho uma avó que gostasse de contar histórias. Mas graças a meus pais, eu tive a chance de conhecer ao menos um pouco da vida no campo, quando criança. Os sítios que nós visitávamos serviram como a maior inspiração não só para este conto, mas também para outro – que será publicado aqui em breve, fiquem de olho! Então, sim, quero agradecer aos meus pais por terem me proporcionado essa experiência na infância – experiência que, hoje, tenho a impressão de que poucas crianças podem ter.

De qualquer forma, vocês verão, ao ler esta última parte, que o meu curupira é… um pouco diferente daquilo que nós conhecemos. Tomei a liberdade de modificar ligeiramente sua história para tentar responder a um questionamento que sempre me incomodou: se ele é uma criatura tão poderosa, por que razão as florestas estão cada vez ocupando menos espaço? Será que o guardião falhou em sua missão? Aqui, eu tento encontrar uma explicação para isso. Afinal, não podemos simplesmente aceitar que um de nossos maiores mitos seja apenas um fracassado, não é?

Enfim, chega de falatório e vamos ao que interessa. Nos encontramos aqui, no próximo Contos do Baquara! Até lá!

A temperatura era agradável à sombra da floresta. De espingarda ao ombro, Daniel deliciava-se revivendo os tempos da infância. Lembrou-se da primeira vez em que o pai o levara junto numa caçada, aos oito anos de idade. Ficara muito assustado, mas com o tempo tinha aprendido os segredos da floresta. No entanto, desde que se mudara para o Brasil, onde não havia uma tradição de caça esportiva, sentia falta daquilo. Estar ali, naquele momento, era como matar a saudade de um velho e querido amigo que não via há muito, muito tempo.

Levava o rolo de fumo no bolso. A cachaça, já tinha deixado na entrada da mata. Não que acreditasse naquela história de curupira, claro.

Andou por duas horas antes de parar para descansar. Não tinha encontrado nada, nem mesmo um lagarto ou tatu-bola para levar como troféu. E aquilo estava começando a incomodá-lo. Não esperava uma coisa fácil, mas andar aquele tempo todo sem encontrar absolutamente nada, nem mesmo um rastro, insultava seu coração de caçador.

Ouviu um barulho. Levantou-se de supetão e ficou atento. Novo ruído, de algo passando pelo meio dos arbustos. E então o autor do som apareceu: uma capivara.

CAPIVARA_(Hydrochoerus_hydrochaeris)

O sangue ferveu nas veias de Daniel. Com a destreza de um atirador de elite, levou a arma à altura dos olhos e fez pontaria. Só então percebeu que aquela capivara era apenas um filhote, provavelmente fazendo suas primeiras excursões longe da mãe.

Daniel baixou a espingarda, ainda olhando para seu pretenso alvo.

– Garoto – disse o rapaz, sorrindo – nunca mais me assuste desse jeito! Você não sabe o quanto esteve perto de levar um tiro. Melhor voltar para a sua mãe. Vai, vai.

Como se compreendesse a ordem dada, o filhote deu meia-volta e embrenhou-se novamente entre os arbustos.

“E quanto a mim”, pensou Daniel. “Melhor eu voltar pro sítio. Este lugar não vai ter nada pra mim mesmo.”

Ao virar-se para pegar o caminho de volta, deu de cara com a criatura. Assustou-se ao ver o rapaz seminu, com aparência de adolescente, pele coberta de pelos verdes e cabelos tão vermelhos que pareciam uma fogueira, mas não ficou totalmente surpreso. Já tinha visto pessoas mais estranhas. A única coisa que lhe deu calafrios foram os pés do garoto, que pareciam ter sido amputados e reimplantados por um cirurgião sem o menor senso de anatomia. O Curupira segurava um cajado na mão esquerda, e ao seu lado havia uma capivara já adulta. “Deve ser a mãe daquele filhote”, pensou Daniel.

– Hã… olá?

O guardião da floresta não respondeu. Olhava para ele com seus olhos dourados, parecendo farejar alguma coisa.

– Ah, já sei o que você quer.

Retirou do bolso o embrulho que tinha recebido de seu Francisco no dia anterior e o ofereceu à criatura.

– Toma. Pega e me deixa em paz, pode ser?

O Curupira hesitou. Vagarosamente, estendeu a mão e tomou o pacote de fumo. Examinou-o atentamente, farejou-o e fez uma careta de nojo.

– Industrializado? Blergh. Não, obrigado – disse, devolvendo o pacote a Daniel. – Eu prefiro cultivar meu próprio fumo.

Surpreso com aquela reação, o rapaz não foi rápido o bastante para se defender da cajadada que a criatura lhe deu na cabeça.

***

Lá dentro, parecia que o mundo estava acabando. Eram pais tentando acalmar a filha, a filha não querendo ser acalmada, outros pais tentando manter os filhos pequenos longe da discussão e uma bisavó sentada tranquilamente em sua cadeira, observando tudo com atenção.

– Fique calma, Letícia! Ele vai aparecer logo, só deve ter ido dar uma volta, só isso!

– A arma sumiu, mãe! A arma que o Daniel trouxe sumiu junto com ele! Ele só pode ter ido à mata caçar, só pode! Ai, meu Deus…

– Calma, filha… olha, o Daniel é um rapaz bom, sabe se cuidar. Se ele tiver mesmo ido pra mata…

– “Se”? E o senhor ainda duvida, pai? Meu Deus, o Daniel tá por aí, sozinho, e ele não conhece nada desta região! Nada!

– Ficar desesperada não vai adiantar nada, Letícia! Precisamos manter a cabeça no lugar! O Daniel cresceu acampando em florestas, você sabe disso. Ele conseguiria sobreviver melhor do que qualquer um de nós. Além disso, a mata não é tão grande assim. Ele vai ficar bem! Não concorda, vó?

Vó Alda refletiu uns instantes antes de responder:

– Vai, sim, fia. Vai ficá bem. Pelo menos, se ele num fazer nenhuma besteira.

– Como assim? – perguntou Letícia. – Que tipo de besteira?

– Atirar num fiote. Ou nalguma fêmea que esteje de cria. Ou então em algum animal que num sirva pra comer. Enquanto ele num fazer isso, não tem pobrema. Agora, se ele fazer…

– O que acontece se ele fizer isso? – perguntou Jorge, já imaginando a resposta.

– Daí – respondeu Vó Alda – o Curupira há de castigar ele sem dó!

– Ora, vó… – disse André, com um toque de impaciência na voz – com todo o respeito… a senhora não acredita mesmo que exista um curupira, né?

– Um, não, fio. Vários. Não só existe, como eu conheço ele. Pelo menos, o atual.

– Conhece…? Vó, desculpe, mas do que está falando?

A velha deu um suspiro.

– Já tá na hora de ocês saberem toda a história. Senta aí. Vou explicá tudo procês.

***

– A missão dos curupiras é proteger a natureza. Disso, você já sabe. Somos escolhidos pelos próprios deuses com esse único propósito. Para isso, nos é dado o poder sobre os animais e as plantas, além da capacidade de criar ilusões e manipular a realidade. Tudo isso com o objetivo de punir aqueles que buscam destruir o que os deuses criaram puro e perfeito.

Daniel ouvia o relato do Curupira sentado num toco de árvore, à beira de um riacho e com uma cuia de água nas mãos.

– Mas então – disse – por que você não me puniu? Quer dizer, claro, você me acertou com um porrete, mas… comparado com o que poderia ter feito…

– Heh. Eu posso enxergar dentro do seu coração, rapaz. Meu castigo é apenas para aqueles que matam e destroem por puro divertimento. Você poupou aquela capivara quando percebeu que era apenas um filhote. Isso mostrou que suas intenções não eram más. Mas apesar de pretender consumir o que caçasse, você não depende disso para sobreviver. Daí a punição mais… leve.

– Entendi. Então, o que a Vó Alda contou… sobre o avô dela… era tudo verdade?

– Bem, eu não sei o que ela contou, mas não cheguei a conhecer o avô dela. Se bem me lembro, ele morreu pouco antes da minha família se mudar pra cá.

– Sua… família? – Daniel perguntou.

– Sim. Nós, curupiras, não somos imortais. Como eu disse, os deuses nos escolhem e nos concedem estes poderes… mas antes disso acontecer, somos humanos perfeitamente normais. Eu conheci Esmeralda quando nós ainda éramos crianças, antes de me tornar um curupira. Mas isso foi há muito tempo… e atualmente, tempo é algo de que eu não disponho.

– Por que não?

– Porque a tempestade do outro dia foi o sinal de Nhanderu para que eu saiba que meu sucessor já foi escolhido. Minha missão agora é trazê-lo aqui e ensiná-lo. Treiná-lo para que ele possa assumir meu lugar. Se eu não fizer isso, esta floresta perderá seu guardião, e tudo o que existe aqui será destruído pelo homem.

Daniel olhou ao redor. Uma das coisas que o fizera se encantar com o Brasil logo na primeira vez que pusera os pés no país fora sua beleza natural. E agora tudo aquilo corria o risco de ser destruído? Substituído por mais prédios de concreto e pedra?

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– Você não pode deixar isso acontecer! – sentenciou, levantando-se. – Afinal, quem é o novo escolhido e por que ainda não o trouxe?

– Porque ele está protegido. Protegido por algo que eu não posso vencer. Mas que você pode. Foi por isso que eu te contei essas coisas. Preciso da sua ajuda.

***

As crianças brincavam lá fora. Letícia tinha tomado um copo de água e já estava mais calma. Vó Alda começou:

– Quando eu tinha lá os meus nove, dez anos, tinha um menino que morava num sítio vizinho do nosso. O nome dele era Altair. Era um pouco mais novo que eu, tinha sete anos. Nóis sempre brincava junto, nossos pais era grandes amigos também.

“Um dia, caiu uma tempestade enorme. Igual à desta semana. Parecia que ia acabá o mundo, de tanta água que caía, e aquele vento que ameaçava levar tudo as casa embora. No outro dia, a gente fomos lá na casa deles, vê se tava todo mundo bem e se num tinha acontecido nada. Aí ele me chamou num canto e me disse que durante a noite, tinha visto um curupira rondando a casa. Nessas altura o meu avô já tinha morrido, mas o povo acostumava contá a história dele com o ser, e o Altair me perguntou se eu sabia alguma coisa daquilo. Mais eu num soube de nada.

“Dois dia depois, ele apareceu pra mim no meio da noite e disse que o Curupira tinha iscolhido ele pra sê o novo Curupira. Eu num intendi na hora, pensei que tinha sido um sonho, mais com o tempo eu intendi. Despois daquela noite, ninguém mais além de mim se lembrava do Altair. Parecia até que ele nunca tinha existido.

“Sete ano depois, eu voltei a encontrá ele. Mais aí ele já tinha completado o treinamento e já era um curupira… oficial, por assim dizê. Ele me expricou que quando um novo curupira é iscolhido, todos os familiar e conhecido dele têm as memória apagada. Pra ninguém se dar conta do sumiço da pessoa e num causar nenhum probrema. Todos, menos um, que fica sendo a úrtima ligação do novo curupira com a sua antiga vida. Por isso que eu era a única que lembrava dele.

– Desde intão – concluiu Vó Alda -, nóis raramente se vê. Eu nunca contei isso pra ninguém, porque se contasse, iam achar que eu sou uma véia louca[1]. Mas agora…

A pausa prolongada fez André desconfiar de algo.

– Agora o quê, vó?

– Agora, nóis precisa proteger o Pedro antes que o Altair venha pegá-lo pra sê o próximo curupira.

***

– Eu falei com Esmeralda naquela noite, durante a tempestade. Expliquei-lhe a situação. Mas ela não foi muito… cooperativa.

– Bem, ela é a bisavó do moleque – considerou Daniel. – O que você esperava?

O curupira suspirou.

– Você entende, não é? – perguntou. – A importância de trazer o garoto pra cá a qualquer custo. Nas últimas décadas, tem sido cada vez mais difícil cumprir nossa missão, e a escassez de crianças aptas a assumirem o cargo só dificulta mais ainda. Muitos de nós têm morrido sem conseguirem treinar um sucessor, deixando enormes áreas desprotegidas da ação humana. Eu contava com Esmeralda para me ajudar, mas…

Fez uma pausa.

– Não vou conseguir trazê-lo aqui sozinho. Ainda mais agora que ela sabe. Você precisa me ajudar, Daniel. Eu sei que você entende a importância de se proteger a criação dos deuses. E certamente ninguém estranharia se o levasse para… dar um passeio.

– Será? A Vó Alda é esperta… com certeza iria desconfiar. E quando eu aparecesse sem ele, todos se dariam conta na hora.

– Isso não será problema. Uma vez que ele esteja longe da família, os Protocolos do Esquecimento serão ativados. Todos terão suas lembranças do garoto apagadas.

Daniel refletiu um instante.

– Você tem razão: eu não quero ver este lugar ser destruído. Já tem destruição suficiente no mundo. Mas sequestrar uma criança? Tirá-la da família e arrastá-la para o meio do mato contra sua vontade?

– É a única maneira. Prefere que este lugar seja destruído pelos humanos?

Os minutos pareceram uma eternidade, mas finalmente o rapaz decidiu:

– Está bem. Estou disposto a trazer o Pedro pra você, mas só se me prometer que vai cuidar bem dele.

– Tem a minha palavra – respondeu o Curupira. – E como garantia, farei de você o elo do garoto com sua vida passada. Assim, manterá suas memórias e poderá encontrá-lo sempre que quiser.

– Muito bem. Eu aceito. Como vamos fazer isso?

– Eu poderia iludir a todos por tempo suficiente para afastar o garoto deles. O problema é que estou muito fraco para enganar tantas pessoas ao mesmo tempo, especialmente se estiverem focadas em mim. E com certeza a esta altura Esmeralda já contou a todos sobre a situação. Você terá que criar uma distração. Tirar a atenção deles enquanto eu os iludo.

– Isso vai ser fácil.

– Mas tem que ser uma distração grande. Do tipo que não se pode ignorar de jeito nenhum. O mais difícil vai ser enganar Esmeralda. Ela pode perceber o plano e voltar a atenção dos outros para mim. Se isso acontecer, o plano falha. Faça tudo o que for necessário.

– Não se preocupe. Eu já tenho uma ideia do que vou fazer – disse Daniel, erguendo a espingarda.

***

– Espere aí, vovó – disse Beatriz. – Está dizendo que o Pedro, o nosso Pedrinho, está… predestinado… a se tornar um curupira? É isso mesmo?

– Num acredito em predestinado, minha fia… mais o Pedro foi iscolhido, sim. E se nóis num tirá ele daqui agora, o Curupira vai vim e vai levá ele.

André tomou a palavra:

– Vó, por favor… não é hora pra essas histórias. O Daniel ainda está desaparecido, e mesmo que isso fosse real, a senhora acha mesmo que nós deixaríamos qualquer um levar o nosso filho?

Vó Alda sorriu:

– E onde é que tá o seu fio agora?

Um tiro fez-se ouvir. Letícia levantou-se de supetão.

– É o Dan!

Todos correram para o quintal, onde Beatriz e Verônica quase tiveram um infarto ao verem Daniel apontando a espingarda para as três crianças.

– Dan? – chamou Letícia. – O que você tá fazendo?

– Cala a boca! – gritou o rapaz. – Você não vai me pegar, está ouvindo? Não vai me pegar!

O garoto parecia possesso. André tentou intervir:

– Daniel, meu caro, se acalme… baixe essa arma antes que alguém se machuque…

– Ninguém chega perto! Ninguém se mexe! Se alguém der um passo, eu atiro!

– Mãe! – gritou Ana Júlia – Foi o Curupira! Ele deixou o Daniel louco!

– Fica quieta, demônio!

O tiro errou o alvo graças à agilidade de André e Jorge, que saltaram sobre Daniel e o imobilizaram.

Paloma e Ana Júlia correram para suas mães, aos prantos.

– O que você pensa que estava fazendo, seu moleque?! – perguntou Jorge, colérico.

– Tudo o que for necessário – respondeu Daniel.

– Necessário para o quê? – perguntou Letícia.

Daniel olhou para a namorada, ao seu lado. Verônica ajudava Vó Alda a servir o jantar, enquanto os outros riam, sentados em volta da mesa: André, Beatriz, Jorge, Paloma, Ana Júlia e… só. Não havia sinal de Pedro, nem mesmo uma cadeira vazia indicando que ele apenas havia se afastado.

– Dan? Tá tudo bem?

– O quê? Ah. Tá, tudo bem, sim. Só… me distraí por um minuto.

***

O restante das férias passou tranquilamente. De vez em quando, Letícia notava que o namorado parecia meio distante, quase que sonhando acordado, mas ele sempre afirmava que não era nada.

Enfim, chegou o momento da partida. Todos se despediram de Vó Alda e entraram em seus carros.

– Tchau, vó! Obrigado por tudo!

– Magina, fia, eu que agradeço de ocês terem vindo aqui. Vão com Deus.

Quando o ruído dos motores se perdeu na distância, a velha virou-se para regressar à casa e deu de cara com um rosto familiar.

– Altair! Que surpresa vê ocê aqui!

– Eu… vim me despedir, Esmeralda.

O sorriso no rosto de Vó Alda apagou-se.

– Ah. Qué dizê que…

– Sim. Meu tempo como curupira está terminando.

A velha aproximou-se e abraçou o amigo de tão longa data, deixando as lágrimas correrem pelo rosto.

– Brigada, Altair.

– Obrigado pelo quê?

– Por tudo. Por mantê a mata e os animal em segurança. Por sê meu amigo. Por tudo que ocê já fez pra nóis.

Altair olhou nos olhos de Vó Alda.

– Não precisa me agradecer. De verdade. Eu apenas cumpri o meu dever.

– E cumpriu muito do bem, sim, sinhor!

– Adeus, Esmeralda.

– Adeus, Altair – respondeu Vó Alda.

“Cuide bem do meu bisneto”, completou, em silêncio.

***

– Você entendeu tudo?

Pedro fez que sim com a cabeça.

– Certo. Então, me diga: qual é a missão de um curupira?

– Proteger a pureza da criação dos deuses.

– E o que um curupira não pode fazer?

– Abandonar sua missão e seu território.

– E o que devemos fazer para cumprir nossa missão?

O aluno olhou sério para o mestre.

– Tudo o que for necessário – respondeu.

Altair sorriu. Os deuses tinham escolhido bem. Pelas próximas décadas, aquela região estaria protegida.

***

Alguns meses depois, Vó Alda morreu enquanto dormia. O fato só foi descoberto após duas semanas, quando seu Francisco passava pela casa e estranhou vê-la toda fechada.

A velha foi enterrada junto ao corpo do marido, no cemitério da cidadezinha. Quando os filhos vieram resolver a questão da herança, decidiram que o melhor seria deixar o sítio em paz, pagando a um caseiro para tomar conta e utilizando o lugar para passar as férias.

Estranhamente, ninguém pareceu notar o fato de os animais, mesmo após duas semanas da morte de sua dona, estarem saudáveis e tratados. O único que percebeu isso foi Daniel, que fez questão de voltar ao sítio. Era quase como se, na ausência da velhinha, outra pessoa tivesse cuidado deles. Mas preferiu não comentar essa impressão com os demais, pelo menos por um bom tempo.

– Afinal – disse ele uma vez, muito tempo depois – quem garante que não foi realmente isso que aconteceu?

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FIM

[1] Isso não é totalmente verdade. Embora raramente admitissem, a maioria das pessoas achava que Vó Alda era uma velha louca mesmo desconhecendo a história.

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