A mitologia brasileira como você (quase) nunca viu. Provavelmente.

Feliz 31 de outubro para todos! Que a Grande Abóbora traga os melhores e mais sinceros presentes que vocês possam desejar! Um deles já está aqui: a última parte deste conto! Então, sem mais delongas, vamos a ela: nos falamos de novo a seguir!

Ao sair de casa para ir atrás do irmão, Davi não esperava muita dificuldade para encontrá-lo. Não imaginava que Mateus usaria o mesmo truque que tantas vezes lhe tinha dado a vitória nos jogos de esconde-esconde quando pequenos: fazer o outro pensar que tinha ido para um lado quando, na verdade, fora pelo lado oposto. Assim, o irmão mais velho passou horas procurando-o na parte errada da mata.

Quando estava quase desistindo, ouviu um ruído entre as folhagens. Apontou o farolete naquela direção, mas não viu nada além de árvores. O ruído soou novamente, desta vez um pouco acima de onde estava. “Devem ser macacos”, pensou. E como estava próximo ao ribeirão, decidiu aproveitar para matar a sede.

Ao chegar à beira da água, apagou a lanterna a fim de economizar as baterias. Não sabia quanto ainda precisaria delas. A noite estava clara, e o ribeirão, de águas tranquilas, refletia a imagem da lua cheia no céu.

Exceto pelo ruído da própria água, o silêncio era absoluto. Nenhuma coruja, nenhum inseto, nem mesmo a brisa faziam qualquer barulho. Davi achou aquilo estranho. Foi quando, novamente, ouviu alguma coisa se mexendo nas folhagens atrás dele. Rapidamente, ligou o farolete e o apontou para a floresta. O que viu fez com que seus poucos fios de cabelo se arrepiassem.

Logo ali, olhando para ele com olhos vermelhos como chamas, estava uma criatura que nunca, nem mesmo em seus piores pesadelos, esperara encontrar. Não muito grande, à primeira vista, parecia um cachorro ou um coiote: andava sobre as quatro patas, tinha o focinho alongado e as orelhas, triangulares, estavam de pé. Mas ao contrário de qualquer animal que Davi conhecesse, aquela era desprovida de pelos, e a pele rosa e de aparência enrugada lhe dava um aspecto quase alienígena. Nas costas, se estendendo da cabeça até a ponta da cauda, uma fileira de espinhos pontiagudos completava a aparência aterradora.

– Ch-ch-chupa-cabra…

A criatura rosnava para Davi, e de sua boca escorria um filete de sangue. Mas o mais assustador era que ela tinha apenas os dentes caninos superiores, muito finos e longos. No resto de sua boca, só se via a gengiva. O sitiante ficou sem ação, enquanto o Chupa-Cabra se aproximava lentamente. De repente, como que ouvindo alguma coisa ao longe, a criatura empertigou-se e disparou rio acima, deixando para trás um homem confuso e não completamente aliviado.

Enquanto isso, do outro lado do sítio, Mateus começou a recuperar a razão e percebeu que estava perdido. Sem saber pra onde ir ou como voltar, sentou-se no chão e, atirando longe a peneira, começou a chorar. Por que tinha feito aquilo? Brigar com Davi e com toda a sua família e sair para a mata ao anoitecer, sem levar nem mesmo uma lanterna ou lampião? E tudo isso por quê? Por causa de um cavalo que já tinha morrido há mais de trinta anos! Era justamente por isso que ninguém lhe tinha contado sobre o retorno do Saci: temiam uma reação precipitada e idiota exatamente como aquela.

Mas agora era tarde demais para se lamentar. Precisava encontrar o caminho de volta. Por isso, enxugou o rosto, respirou fundo e tentou prestar atenção ao ambiente onde estava. Ouviu barulho de água corrente, o que significava que não estava longe do ribeirão. Se conseguisse chegar até lá, talvez encontrasse a trilha que levava para o sítio. Na pior das hipóteses, poderia passar a noite à beira da água, onde pelo menos teria mais chances de ser encontrado.

Com isso em mente, começou a caminhar na direção do barulho. Mesmo tomando cuidado para não tropeçar nas pedras e nas raízes das árvores, acabou rasgando um pedaço da camisa ao enroscá-la num arbusto com espinhos. A floresta parecia ter ficado menos escura depois de seu momento de reflexão. Com os olhos já habituados ao ambiente, foi fácil chegar até o ribeirão. Agachou-se e bebeu uns bons goles de água, aproveitando também para lavar o rosto. Depois, analisou o lugar onde se encontrava. Percebeu que não estava mais nas terras de sua família: tinha andado tanto que acabou cruzando a divisa do sítio sem perceber. Precisaria descer o rio para encontrar a trilha. Mas mal começou a andar, ouviu um ruído atrás de si e virou-se, assustado. Não havia nada ali.

“Deve ter sido impressão minha”, pensou. E voltou a andar. Mas tinha a estranha sensação de que alguém o seguia. Começou a andar mais rápido. De vez em quando olhava para trás, e embora não visse nada, aquela sensação ficava cada vez mais nítida. Foi quando ouviu, claramente, um rosnado vindo do outro lado do ribeirão.

Diante dele, encontrava-se um monstro peludo, com cabeça de lobo e olhar ameaçador. De pé sobre as duas patas traseiras, atingia cerca de dois metros de altura. O pelo escuro estava eriçado nas costas, exatamente como um cachorro quando se sente ameaçado. Enquanto rosnava, podia-se ver os dentes, grandes e afiados.

Mateus ficou paralisado de pavor. Pensou em ignorar o monstro e continuar seu caminho correndo o mais rápido que pudesse. Mas mal se virou, deu de cara com uma criatura ainda mais horrível: a mesma que, sem que ele soubesse, tinha sido vista por seu irmão. Aparentemente, ela sentira a presença do lobisomem, pois ignorava o homem ali e encarava seu adversário do outro lado do rio.

De repente, com uma incrível agilidade, o animal menor saltou o ribeirão e foi cair bem em cima do outro. A luta teve início, mas Mateus não ficou para assistir. Aproveitou a oportunidade e disparou rio abaixo, sem olhar para trás.

Só parou de correr quando esbarrou com Davi, várias dezenas de metros depois. Sem fôlego para mais nada, apenas teve tempo de sorrir ao ver o irmão, antes de perder os sentidos. Nesse momento, com Mateus em seus braços – cansado, mas vivo – ainda sem entender direito o que havia acontecido, Davi sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha ao ouvir o uivo sobrenatural que se alastrou pela noite.

– Como nós vamos fazer isso, Berta? – perguntava Alícia, aflita. Davi tinha levado as chaves da caminhonete e, por isso, não tinham como ir buscar ajuda.

– Não sei – respondeu Roberta, remexendo uma velha caixa de ferramentas no depósito. – Mas não podemos ficar paradas. Se um lobisomem está mesmo à solta na mata, então não são só os nossos maridos que correm perigo.

– Dizem que pra matar um lobisomem é preciso uma bala de prata, não é? – perguntou Juliana.

– Hah! – riu-se o Saci. – Só se for nesses filmes estrangeiros. Não dá pra matar um lobisomem sem antes fazer ele voltar à forma humana.

– Mas se ele voltar à forma humana, não precisamos matá-lo, certo?

– Aí depende de qual for a forma humana dele. Em último caso, basta cortar fora a pata direita da fera pra reverter a transformação até a próxima lua cheia. Fora isso, o lobisomem é praticamente imortal.

– Cortar fora, hein? – disse Roberta, retirando da caixa o que estava procurando: um facão de dois gumes, que havia herdado de seu pai. Testou a lâmina no polegar: ainda estava afiada. – Acho que a gente pode dar um jeito.

– Não adianta, Juli! – dizia Alícia – Você vai ficar aqui.

– Mas, mãe…

– Não tem discussão! É perigoso demais!

– E por que a senhora acha que aqui é mais seguro? Pelo que sabemos, um lobisomem não precisa de convite pra entrar na casa dos outros. E se ele aparecer aqui?

– Ela tem razão – disse Roberta. – Além disso, vamos precisar de toda a ajuda que conseguirmos. E isso inclui você – completou, virando-se para o Saci e fazendo-o engasgar com a fumaça do cachimbo.

– E-eu? Contra um lobisomem? Cê tá é doida!

– Não é pra lutar contra ele. É pra ajudar a achar meu marido.

– Mas e se o lobisomem achar a gente antes?

– Aí só precisa distrair ele enquanto eu corto a pata direita. E não venha me dizer que você não é bom em causar distrações!

– Tudo bem, culpado.

– Então vamos – concluiu Roberta.

Os quatro partiram, o Saci à frente, iluminando o caminho com a brasa do pito[1]. Logo atrás estava Roberta, seguida de Juliana e Alícia na retaguarda. Mas não precisaram andar muito. Na metade do caminho para o ribeirão, encontraram Davi, que com dificuldade carregava o irmão apoiando-o em seus ombros. Ao vê-los, as três mulheres correram até eles.

– Minha nossa, Davi – disse Roberta, abraçando o marido. – Fiquei tão preocupada!

Alícia ajudou o cunhado a colocar Mateus no chão.

– Ele está…

– Só desmaiado – apressou-se em explicar Davi, que parecia nem ter notado o pequeno garoto negro que acompanhava sua família. – Agora, precisamos sair daqui o mais rápido possível. Tem um monstro nesta floresta.

– Sim, nós sabemos, tio – disse Juliana. – É um lobisomem!

– Muito pior! – exclamou Davi. – É um chupa-cabra!

As três mulheres se entreolharam.

– O ferimento da Bezerra… – lembrou Roberta.

– O quê? – perguntou Davi.

– Depois nós explicamos – falou Alícia. – De qualquer forma, você tem razão. Precisamos sair daqui, rápido. Juli, me ajude aqui com o seu pai.

– Não precisa – murmurou Mateus, abrindo os olhos. – Eu… estou bem. Agora estou bem.

Juliana abraçou o pai, com lágrimas nos olhos, antes de ajudá-lo a ficar de pé. Devagar, mas com urgência, todos começaram a trilhar o caminho de volta para o sítio.

– Me desculpem – disse o homem. – Eu devia ter ouvido vocês.

– Não – retrucou Davi. – Nós é que devíamos ter falado do saci desde o início.

– Depois vocês tiram na sorte pra ver quem é o mais culpado – falou Alícia. – Agora nós temos de sair daqui, antes que o monstro…

– O monstro! – exclamou Mateus. – É verdade, eu me esqueci dele! Tinha dois deles! Um era peludo e gigante e estava do outro lado do ribeirão, e o outro era…

– Pequeno, sem pelos e tinha espinhos nas costas? – interrompeu Davi. Mateus confirmou com a cabeça. – Então é verdade… além do chupa-cabra também tem um lobisomem! Onde você os viu?

– Rio acima, nas terras do sítio vizinho… eles começaram a brigar e eu saí correndo.

– Foi quando você me encontrou. Então a Juli estava certa. Mas como vocês sabiam do lobisomem?

– Ora – respondeu a garota – foi o…

Só então percebeu que o Saci não estava mais com eles. Ficou meio sem jeito, mas diante da insistência do pai e do tio, acabou contando toda a verdade.

– Mas eu não fui atacado pelo Lobisomem! Eu o vi, mas ele estava do outro lado do ribeirão!

– O Saci disse que vocês estavam do outro lado… – disse Juliana. – E tem o pedaço da sua camisa…

– Eu enrosquei num espinho e acabou rasgando. Não teve nada a ver com o Lobisomem.

– Talvez ele tenha se enganado – comentou Alícia, tentando defender a filha, embora não acreditasse muito no que dizia. – Mas eu estou mais preocupada com outra coisa… o que acontece se esses dois trouxerem a briga pra cá?

Todos se entreolharam, com medo da resposta.

A primeira coisa que Davi fez ao chegarem à casa foi tomar um bom banho, enquanto Mateus preferiu procurar algo para comer. Nem se importou que o jantar já estivesse frio.

Enquanto isso, Juli estava na sala, pensando. Por que o Saci teria mentido sobre aquele pedaço de camisa? Talvez para fazê-las perceber a gravidade da situação. Mas se fosse assim, por que ele mesmo não tinha ajudado Mateus quando teve a chance? Lembrou-se de que o Saci ficou legitimamente apavorado diante da ideia de Roberta de confrontar o Lobisomem. Talvez fosse uma de suas únicas fraquezas.

Por hábito, pegou o celular e viu que, pela primeira vez desde o início da viagem, estava recebendo sinal. Bastante fraco, mas o suficiente para lhe dar uma ideia.

Súbito, um grito soou no quintal. Davi saiu apressado do banheiro, sem nem se secar direito, enquanto todos corriam para ver o que acontecera.

Lá fora, tudo estava escuro. Uma nuvem bloqueava a luz da lua, e um vento soprava da floresta. A vaca Bezerra mugiu no estábulo. Roberta não aguentou:

– Ah, não… de novo?!

E já pegou o farolete e o facão de dois gumes para ver o que acontecia. Mas quando saiu, viu um vulto familiar saltando na direção da casa.

– Não! – gritou o Saci – Vocês não podem ir pro estábulo.

Mateus e Davi ficaram surpresos ao verem o negrinho cara a cara. Enquanto isso, os mugidos de Bezerra continuavam. A pobre vaca parecia estar pedindo ajuda, desesperadamente.

– É o Chupa-cabra – continuou o Saci. – Ele está aqui! Está atacando a Bezerra! Deve ter sido ele quem matou os cavalos daquela vez!

Ninguém sabia o que fazer. Apenas se entreolhavam, aflitos. Juli, que ainda trazia o celular, de repente voltou para dentro de casa..

Os mugidos pararam. Todos ficaram em silêncio. O próprio Saci parecia paralisado enquanto olhava na direção do estábulo.

Do meio das sombras surgiram duas luzinhas vermelhas. Elas foram se aproximando, lentamente, enquanto o cheiro de sangue fresco invadia as narinas de todos.

Roberta ligou o farolete, mas depois preferiu não ter feito isso. A criatura que apareceu diante deles era pior do que ela imaginara. Os espinhos, os dentes afiados, as feridas no pescoço da vaca – que àquela hora já devia estar seca, sem uma gota de sangue. Tudo fazia sentido!

Não puderam contemplar melhor a descoberta, porém, já que do outro lado ouviram um rosnado feroz. Roberta instintivamente apontou o farolete na direção do barulho. Novamente, preferiu não ter feito aquilo. Lá estava o Lobisomem, todo manchado de sangue – provavelmente da luta com o Chupa-cabra, e também muito provavelmente preparado para o segundo assalto.

O Saci, amedrontado, juntou-se aos quatro humanos.

– O que é isso? – indignou-se Roberta. – Faça alguma coisa, seu pestinha!

– Eu posso ser uma pestinha, mas não sou burro! Esses dois aí não dá pra encarar, não!

Estavam bem na linha de fogo. Paralisados pelo medo, nem sequer pensaram em correr para se abrigarem. Mas no momento em que o Lobisomem saltou sobre eles para atacar o inimigo, veio um objeto brilhando de dentro da casa e caiu bem aos pés do Saci.

O Lobisomem desapareceu em pleno ar. O Chupa-cabra desfez-se como se fosse fumaça. Enquanto o negrinho, assustado, pulava de um lado para o outro, praguejando como se tivesse batido o dedinho do pé na quina de algum móvel.

De repente, à luz da lua que voltava a iluminar o sítio, viram o moleque mudar completamente: o rosto humano infantil deu lugar a um par de chifres retorcidos, dentes pontudos como os de tubarão e olhos amarelos. Um cheiro fortíssimo de enxofre impregnou-se no ambiente.

Juliana apareceu à porta da casa, estampando no rosto um sorriso de triunfo. Ninguém entendia o que acontecera, até que Mateus se abaixou para pegar o objeto que tinha sido atirado. Roberta ficou surpresa.

– Isto é…

– O rosário que o Felipe te deu, tia – explicou Juli. – A senhora disse que foi abençoado pelo próprio Papa, não foi?

O Saci, vendo a expressão abobada no rosto dos quatro adultos, desatou a rir. Sua risada não estava diferente, embora parecesse levemente mais psicótica.

– É – disse a criatura, quando conseguiu parar de rir. – Foi bom enquanto durou!

– Do que você está falando? – perguntou Davi. – Afinal, o que aconteceu? Pra onde foram os monstros? E por que você está com chifres?

– Não é óbvio, tio? – disse Juliana, aproximando-se. – Essa é a verdadeira cara dele. Não há lobisomem, nem chupa-cabra, nem nada. Era tudo uma ilusão do Saci, pra nos pregar uma peça! Afinal, esse é o trabalho dele, não é?

– Quer dizer – murmurou Roberta – que tudo isso… foi arte desse moleque dos infernos?

– Hahahahahaha – riu-se novamente o duende. – Se me permitem dizer, não foi só uma “arte”. Foi uma obra de arte, isso sim! Hahahaha… Ah, vejo que vocês ainda não entenderam completamente. Deixem eu explicar, então: tudo começou há mais ou menos uns trinta anos… quando eu matei todos os cavalos deste sítio.

– Então foi mesmo você, seu filho da mãe – disse Mateus, atirando-se na direção do Saci. Este calmamente desviou-se para o lado e passou-lhe a perna[2], fazendo com que tropeçasse e desse de cara no chão.

– É claro que fui eu! – gritou o Saci, tomado de uma fúria quase insana. – Mas foi um acidente! Eu não podia imaginar que eles ficariam tão assustados que teriam um ataque! Pra mim, deveriam ser fortes como… bem, como cavalos! Hahahahahahahahaha… Essa foi boa…

– Por que você voltou agora, Saci? – perguntou Davi. – Por que ficou tanto tempo longe e só voltou agora?

– Voltar? Eu não fui a lugar nenhum, imbecil. Eu estive de castigo por todo esse tempo!

E diante do olhar atônito de todos, o duende continuou:

– Foi aquele arrogante de cabelos de fogo. Ele ficou furioso por eu ter matado os cavalos e roubou minha carapuça. Maldito Curupira… sempre se achando superior a todos, o bam-bam-bã da mata. Ele roubou minha carapuça e eu fiquei sem meus poderes. Tive que me esconder por trinta anos, vocês sabem o que é isso? Trinta! Anos! Sem poder usar meus poderes, sem poder pregar peças nos outros, sem poder fazer porcaria nenhuma! Mas recentemente houve uma mudança de guardião. Vocês sabem, os curupiras não são imortais, então de tempos em tempos eles precisam ser substituídos. E eu aproveitei essa ocasião para conseguir minha carapuça de volta.

– E depois disso – falou Juliana – você resolveu se vingar daqueles que julgava culpados pelo seu castigo, não é?

– O quê? Ora, não seja idiota, garota. O único que eu culpava por isso era o próprio Curupira. Na verdade, eu mal me lembrava do seu pai ou do seu tio, até você me chamar e me falar deles. Só aí é que eu decidi aprontar uma boa com vocês. Por isso eu inventei tudo aquilo e conjurei as ilusões do Lobisomem e do Chupa-cabra. E querem saber o mais irônico? Isso só foi possível graças à quantidade de magia que se acumulou na carapuça durante trinta anos! Não é hilário? Hahahahahaha…

A risada do Saci era o único barulho que se ouvia na noite escura.

– Vocês deviam ter visto as suas caras! Hahahahaha… Foi demais! Hahahaha…

– Saia daqui – falou Juli. – Agora.

– Ah, tá legal, tá legal – disse o Saci. O vento começou a soprar novamente, e logo o duendezinho foi envolvido por um redemoinho de folhas e poeira.

Enquanto se afastava, ainda foi possível ouvi-lo resmungar:

– As pessoas de hoje não têm mais senso de humor, não aguentam nem uma brincadeirinha…

As férias terminaram. Mateus, Alícia e Juliana voltaram para casa com muitas lembranças daquele mês – além de uma garrafa de leite da Bezerra, que não tinha sido morta, afinal.

De vez em quando recebiam notícias de Davi e Roberta, falando sobre alguma nova traquinagem do Saci. Mas nada extremamente grave, apenas as brincadeiras inofensivas de sempre. Aparentemente, toda a magia extra que se acumulara na carapuça tinha sido gasta naquela noite – isso ou o diabinho aprendera a lição. O que era pouco provável.

Um fato interessante é que, desde então, quando algo acontecia na casa – fosse um objeto que sumisse, a comida que queimasse, ou mesmo a internet que caísse aos 99% de um download, às vezes era possível ouvir uma risada estridente acompanhada de um leve aroma de enxofre. Ao olhar pela janela, quase sempre se via um passarinho empoleirado nos fios telefônicos, repetindo incessantemente apenas duas sílabas.

“Sa-ci!”

FIM

[1] É um fato pouco conhecido, mas entre os diversos poderes dos sacis encontra-se a telecinese pirotécnica, ou a capacidade de controlar o fogo. Isso significa que eles podem controlar mentalmente a intensidade das brasas do pito, podendo até usá-las como arma para se defenderem, caso necessário. É por essas e outras que os sacis são inimigos naturais dos boitatás, das mulas-sem-cabeça e dos donos das companhias de gás de cozinha.

[2] Embora não se saiba como, é fato conhecido que os sacis são exímios em usar sua perna para atividades cotidianas como andar de bicicleta, pular amarelinha e jogar futebol. Também são ótimos no kickboxing (popularmente conhecido na comunidade sacizal como “luta de voadoras”).

Boas, pessoal! Finalmente chegamos ao final de nosso conto! Esperamos que tenham curtido, e não se esqueçam de compartilhar com os amigos. Voltamos a nos falar em breve (ou não, sei lá). De qualquer forma, obrigado àqueles que nos acompanharam até aqui. E continuem conosco, porque o projeto vai a passos lentos, mas vai! Até a próxima, fiquem com Deus!

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